Rascunhos: Sem direção

Postado por Dayane Reis in


Ela já não sabia há quanto tempo estava ali de pé, na janela do quarto, observando a chuva bater no vidro. Já era noite e o trânsito havia diminuído bastante desde que ela observara. Do oitavo andar do edifício Santa Lola, numa avenida paralela e não tão movimentada, era possível enxergar alguns guarda-chuvas escuros e pessoas que se movimentavam tentando fugir de poças d’água que se formaram até mesmo nas calçadas. Um casal de mãos dadas, debaixo do mesmo guarda-chuva, fez Valentina lembrar-se de Felipe. Seus olhos se encheram de lágrimas novamente, ela engoliu em seco, um frio na espinha percorreu seu corpo e o estômago se tornou enjoado momentaneamente.

Sua perna doía há algum tempo, mas só agora que ela pôde se concentrar em si mesma e perceber o quanto todo aquele tempo em pé tinha sido prejudicial ao seu corpo. Olhou para o parapeito da janela e haviam sobrado somente três cigarros e um cinzeiro cheio de cinzas úmidas, pegou o isqueiro e tentou acender um deles. Depois de três tentativas o cigarro, enfim, pegou fogo e ela pôde tragá-lo com toda a força para dentro dos seus pulmões, como se fosse o último suspiro de uma pessoa à beira da morte. Segurou um pouco a fumaça, o suficiente para sentir a nicotina entorpecer seu cérebro, e devolveu a fumaça ao vento que soprava a noite escura, bem na sua frente.

Com o cigarro acesso, ela caminhou até uma penteadeira grande coberta por maquiagens de todas as cores e formas. Não tinha um dia sequer que não passava seu blush no rosto, um delineador nos olhos que a fazia se sentir poderosa e um batom vermelho. Olhou no espelho grande, enrolado por um cordão de luzes brancas, lembrando muito os piscas-piscas de Natal. Seu rosto não era o mesmo da mulher alegre de cinco dias atrás. Limpou as lágrimas que haviam escorrido do seu rosto nas últimas horas, encarou bem aqueles olhos escuros, que já não irradiavam a mesma alegria de sempre, e não se reconheceu. Por um segundo odiou aquela mulher parada ali em sua frente, ela parecia fracassa, sofrida e vazia. E Valentina não era assim...

Deu outra tragada no cigarro e se jogou em cima na cama que estava em sua frente... Olhou para o lustre colorido no teto e lembrou cada detalhe da decoração daquela casa. Tudo foi feito por ela e Felipe. A parede amarela atrás da penteadeira foi decidida por ela, com total discórdia do marido. Ele não queria um quarto tão chamativo, mas Valentina contava que aquela cor traria alegria e criatividade aos dois. Foram semanas discutindo, até que um dia, ela chegou do serviço cansada e ele estava com o nariz sujo de tinta amarela por ter gastado a tarde inteira tentando pintar a parede, sem experiência alguma. Foi uma surpresa. Ela sorriu, mas sem mostrar nenhum dente. Nunca foi de sorrir muito, demonstrava seus sentimentos de forma pouco evidente, mas ele conhecia cada detalhe do seu rosto e sabia que aquele sorriso discreto era sinal de que tinha adorado. Ela deu mais dois passos a frente, sem tirar os olhos dos olhos dele, e simplesmente o abraçou. Era o máximo que conseguia fazer para agradecê-lo.

As boas lembranças a fizeram sorrir e Valentina se lembrou do trecho da música If I Go, I'm Going, de Gregory Alan Isakov, um cantor que Felipe a apresentou em um dia que procurava músicas boas para ouvir no Youtube. Ele ficou tão empolgado na hora que a ouviu, que fez Valentina levantar da cama mais cedo, em um domingo, para apreciar aquela melodia com ele. Todos os finais de semana eram assim, ele levantava cedo, ia para o computador ler seus e-mails e escutar alguma nova música que havia descoberto, enquanto preparava café e panquecas para sua mulher. Enquanto isso, Valentina se perdia entre os lençóis de sua cama, sentindo o cheiro do café invadir o quarto, e fingia dormir para poder acordar aos beijos.

Agora, no entanto, ela estava em meio aos lençóis, mas era sozinha e sem a companhia do cheiro de café, nem do Felipe. Cantou mais um pouco da música e adormeceu...

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Rascunhos: A cama

Postado por Dayane Reis in



Olhei para seus olhos e não me pareciam mais os mesmos olhos que conheci, ainda na adolescência, enquanto não sabia o que era dor de amor. O cabelo despenteado e o sorriso maroto me entristeciam e uma dor enorme surgiu em meu peito naquele momento. Era impossível acreditar que aquela garota em sua cama não era eu. Fechava e abria os olhos para ter certeza do que eu estava vendo, porque sabia que qualquer justificativa seria irrelevante.

Aquela ainda era nossa cama, que compramos juntos economizando todo o dinheiro que entrava. Ficamos de recesso de baladas por meses que pareciam uma eternidade. O colchão era macio e duro ao mesmo tempo, como ele gostava. Em todas as minhas tentativas de compra não soube escolher nenhum colchão que fosse bom o suficiente para os dois, mas ele sim sabia exatamente o que eu queria. Depois de muitas e muitas visitas em lojas diferentes, enfim compramos o que seria nosso eterno ninho de amor. O que eu não sabia, mais tarde, era que esse ninho seria usado por outra pessoa, que eu sequer tinha vontade de olhar em seu rosto ou reparar se seu cabelo estava mais ressecado que o meu.

Chorei por dentro, mas minhas lágrimas doíam para sair. Como ele poderia ter feito isso, depois de juras de amor e fidelidade? Mas não, ele não foi capaz de cumpri-las. A realidade era inevitável e, agora sim, as lágrimas escorriam de verdade, enfileiradas em meu rosto pálido e assustado.

Ele não mentia, não tinha como. Assumiu a sua culpa e caçoou do meu desapontamento. E eu me perguntava se aquele era mesmo o cara que prometeu me proteger do mundo, mas esqueceu de me proteger dele próprio. Sentada na ponta da cama, o silêncio tomou conta daquele quarto imundo e eu só podia ouvir o meu próprio choro, quando, ele me abraçou apertado e disse: “Calma amor, foi só um pesadelo”.



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Seja bem vindo ao meu liquidificador de ideias!

Postado por Dayane Reis in


Quando eu vejo novela, vejo mais que novela. Me atrai aquele espelho cor de rosa pendurado em uma parede amarela que só aquele personagem tem. Quando leio um livro, me encanto, me entrego e apaixono pelos personagens a ponto de enrolar uma leitura só para não me afastar deles. Quando eu ouço música, não é somente o que ela diz, mas sim o que eu sinto quando ela toca. 

Foi por isso que resolvi criar o esse blog, porque eu acredito que muita gente é, assim como eu, um liquidificador de ideias que não desliga um minuto sequer. 




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