Rascunhos: A cama

Postado por Dayane Reis in



Olhei para seus olhos e não me pareciam mais os mesmos olhos que conheci, ainda na adolescência, enquanto não sabia o que era dor de amor. O cabelo despenteado e o sorriso maroto me entristeciam e uma dor enorme surgiu em meu peito naquele momento. Era impossível acreditar que aquela garota em sua cama não era eu. Fechava e abria os olhos para ter certeza do que eu estava vendo, porque sabia que qualquer justificativa seria irrelevante.

Aquela ainda era nossa cama, que compramos juntos economizando todo o dinheiro que entrava. Ficamos de recesso de baladas por meses que pareciam uma eternidade. O colchão era macio e duro ao mesmo tempo, como ele gostava. Em todas as minhas tentativas de compra não soube escolher nenhum colchão que fosse bom o suficiente para os dois, mas ele sim sabia exatamente o que eu queria. Depois de muitas e muitas visitas em lojas diferentes, enfim compramos o que seria nosso eterno ninho de amor. O que eu não sabia, mais tarde, era que esse ninho seria usado por outra pessoa, que eu sequer tinha vontade de olhar em seu rosto ou reparar se seu cabelo estava mais ressecado que o meu.

Chorei por dentro, mas minhas lágrimas doíam para sair. Como ele poderia ter feito isso, depois de juras de amor e fidelidade? Mas não, ele não foi capaz de cumpri-las. A realidade era inevitável e, agora sim, as lágrimas escorriam de verdade, enfileiradas em meu rosto pálido e assustado.

Ele não mentia, não tinha como. Assumiu a sua culpa e caçoou do meu desapontamento. E eu me perguntava se aquele era mesmo o cara que prometeu me proteger do mundo, mas esqueceu de me proteger dele próprio. Sentada na ponta da cama, o silêncio tomou conta daquele quarto imundo e eu só podia ouvir o meu próprio choro, quando, ele me abraçou apertado e disse: “Calma amor, foi só um pesadelo”.



Dayane Reis

Sente-se sul-matogrossense demais em São Paulo, e Paulistana demais em MS. É jornalista de diploma e escritora de coração!

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